segunda-feira, 4 de julho de 2011

Já não há incêndios em Portugal

As eleições de 5 de Junho proporcionaram algo de intrinsecamente extraordinário, e inimaginável ao nosso país. Algo que nunca, nem nos nossos sonhos mais audaciosos, nos passou pela cabeça. Apercebi-me disso só hoje, tal como acontece com todos os acontecimentos dignos de se escrever sobre eles num blog, ao ler um artigo online da Visão Verde, que dizia: "Quase 4 mil fogos desde maio". Pensei, maio? Maio de 2011?
Perplexa, pois ainda não tinha ouvido falar de incêndios ocorridos neste ano civil, ao contrário dos anos anteriores em que a comunicação social fazia questão de propagandar, num autêntico grito de pânico, o mais pequeno fogo que ateasse em terras lusas, perguntei à minha avó se tinha ouvido falar de algum fogo recente. Ela disse que não. Quando lhe mostrei o número aterrador, ela abriu muito a boca de espanto e disse: "Valha-nos Deus".

Mas eu digo: Valha-nos o Passos Coelho. Ou deveria antes dizer "Valha-nos a elite partidária portuguesa"? Ou ainda "Valha-nos a palhaçada demagógica que foi a pré-campanha desde o ano passado até às eleições"? Na febre das declarações insípidas e vazias de conteúdo, dos arruaceiros partidários, das afirmações sem nexo, das acusações e dos linchamentos públicos, que os órgãos de comunicação social gostaram tanto de fomentar e dar cobertura mediática, esqueceram-se problemas ambientais, sociais e mesmo económicos que são crónicos em Portugal. Tudo isto se pauta por dois aspectos: por um lado, a insensatez e a inconsciência dos próprios dirigentes que se preocupam mais em puxar a brasa à sua sardinha e a responder a comentários sem interesse nenhum para o bem-estar social, do que a manter aceso o debate teórico sobre os tais problemas crónicos que o nosso país enfrenta, nomeadamente desde a entrada na CEE em 1986, tais como o défice público, as elevadas taxas de juro, o fraco investimento na investigação, a má estruturação da propriedade agrícola... e, como é óbvio, os incêncios, que as fracas medidas legislativas não conseguem conter. Sempre que se traz um destes assuntos à baila, é como se se estivesse a tentar convencer o eleitorado e a ganhar pontos para as eleições seguintes. A política é um simples jogo de poder, só que em Portugal os jogadores não sabem fazer a poker-face como deve ser... o que me faz sentir, pessoalmente, que estão a gozar com a nossa inteligência mesmo à frente dos nossos narizes, e ainda assim damos-lhes os nossos votos uma e outra vez.

Mas a comunicação social não é menos responsável pelo desastre da "amnésia generalizada" no que respeita aos fogos. Parece-me que cada vez mais é adoptado um modelo noticioso pró-americano, típico de agências como a Fox News, a CNN ou mesmo a MSNBC, em que o lema é basicamente "Dividir para conquistar", baseado no sensacionalismo e no espectáculo, e principalmente numa autêntica comercialização do conteúdo jornalístico, o que, se pensarmos bem, é até certo ponto inevitável, mas que acaba por transformar todos os acontecimentos em puros actos de cena, em que o melhor actor ganha os aplausos da plateia e mais um sucesso mediático, para ser incluído no seu currículo. Neste contexto, pouco importa a quantidade de fogos que há no país. Um acontecimento só se torna notícia se os políticos falarem nele. Como nenhum fala dos fogos, simplesmente não se fala deles. Mesmo que, desde Maio, tenham havido quase 4 mil.

Nunca a frase "Tudo é política" teve um significado tão obscuro e tão irónico, como hoje.

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