quarta-feira, 12 de maio de 2010

Pai

Pensei que ser pai era amar incondicionalmente. Era pôr de parte os interesses próprios em favor dos do filho. Era compreender a humanidade, as emoções da criança que criou nos braços, as suas necessidades e afectos. Sempre pensei que ser pai... era ser como a minha mãe. Mas agora a mãe já não está cá. Já não habita a mesma dimensão, sensível, corpórea, que eu, já não a posso tocar, sentir, ouvir, pelo menos não conscientemente. Agora precisava mesmo do meu pai. Era o último suporte, a única certeza absoluta que tinha. E ele vai-se. Retira-se, de livre e espontânea vontade, como se escorraçasse um cão que o incomoda. É engraçado como o simbolismo se aplica tão bem na vida quotidiana, kitsch?, não, real.
Mais que nunca preciso de estabilidade na minha vida. Preciso de amor, carinho, compreensão, e ele só se preocupa em que eu vá para ele. Mas que merda é esta, um pai que só se preocupa em ter aquilo que quer a qualquer custo, independentemente da vontade do filho? Ele desrespeitou-me como nunca antes, disse que se fosse preciso arrastava-me para fora de casa, mandou-me fazer as malas mas não fui, disse que eu não sabia cozinhar apesar de cozinhar melhor do que ele, que não sabia fazer a lida da casa apesar de limpar mais numa semana do que ele limpa num mês, e aspirou-se a que devia ser ele a ensinar-me tudo isto, e ainda mais alguma coisa. "O que é que me vais ensinar pai? A arte da frieza? Da manipulação? Do egoísmo? De espezinhar, humilhar e usar as pessoas como instrumentos no teu jogo de obter aquilo que queres? Quem sabe, não me corre já nos genes...". Insultou os meus avós, a minha mãe. Tive vontade por momentos de lhe partir a cara toda, bocado a bocado, lentamente. Mas não o fiz. E não o farei, e não permitirei que ninguém o faça porque a vingança da vida vai ser tão, mas tão má que nada do que eu lhe possa fazer irá conseguir superar o que lhe vai acontecer. Os maus, mais cedo ou mais tarde, têm sempre o que merecem. Mesmo que não se saiba, é certo que sim.
É triste, e não desejo a ninguém, perder um pai e uma mãe ao mesmo tempo. Mas apesar de tudo ele continua a ser meu pai, e tenho medo de acordar amanhã e de ele também já não estar lá. Não sei se aguentava. Bom ou mau, é meu pai, e esteve presente em situações importantíssimas da minha vida. Tenho memórias (o kitsch), que são o que me mantém agarrada à ideia de que posso perdê-lo a qualquer minuto, aliadas à incerteza do futuro que paraliza. Mas não pode. Não podemos temer o que não conhecemos porque senão nunca andávamos para a frente. Gosto de escrever porque me liberta. Sinto-me viva, racional, coerente e que tenho valor. Não vou parar aqui. Tenho de viver. Tenho de ser forte, ou de fingir e de me enganar a mim própria dizendo que sou mas não sendo, mas tem de ser. Tenho de seguir. O caminho é para a frente, e para a frente andarei. Com ou sem pai, com ou sem mãe, tenho de conseguir.