sábado, 23 de julho de 2011

O legado da História

A História da Humanidade é um ciclo de repetições, mais ou menos disfarçadas e alteradas, com condicionantes específicas da conjuntura da época e das mentalidades dominantes, mas sempre, inexoravelmente, presa ao passado. Será o Homem ao mesmo tempo tão previsível e cego, que por mais décadas que passem, em que as mesmas causas geram os mesmo efeitos, os mesmo erros geram as mesmas consequências desastrosas (ou ainda piores), continuaremos a ignorar o legado que a História nos deixa?

Ontem a Noruega foi palco da maior convulsão social desde a 2ª Guerra Mundial. Um país conhecido pelo seu controle da violência fundamentalista, mesmo até pela ausência dela, sofreu ontem um ataque bombista no centro de Oslo que vitimou 7 pessoas, e feriu outras tantas. Mais tarde, um tiroteio ocorreu na ilha de Utoeya em que 91 jovens militantes do Partido Trabalhista foram mortos, sem contar com os restantes feridos e os que conseguiram escapar, atravessando o fiorde a nado, alguns morrendo na tentativa de fuga, já que o atirador continuava a disparar para a água. Fui para a sala de estar e assisti ao chocante retrato da barbárie, na RTP1. Porém, os meus cabelos ficaram em pé quando ouvi o repórter dizer que o suspeito era o norueguês de 32 anos Anders Behring, apanhado no local do tiroteio com uma faca, assumidamente nacionalista de extrema-direita, anti-islamista e fundamentalista cristão. "Não contávamos com uma ameaça da extrema-direita, mas sim do extremismo islamista", afirmam os serviços de segurança interna.

A Al-Qaeda é o bode expiatório do Ocidente. À falta de melhores hipóteses, acusa-se o Islão. É, de facto, uma versão dos factos que, apesar de anti-democrática e revelante de uma alarmante falta de ética da comunidade jornalística, é ao mesmo tempo extremamente bem aceite pelo público. Torna-se um lugar comum culpar os muçulmanos por todos os males da Terra, tal como na Idade Média se fazia com os judeus, e na Guerra Fria com os comunistas. Dá sempre jeito focar a opinião pública num grupo particularmente odiado e temido para ofuscar as questões verdadeiramente importantes, mas o ser humano nunca aprende com os erros que cometeu, como raça ou nação, no passado, e continua sempre a cair nas mesmas espirais de totalitarismo, opressão e violência.

Atravessamos uma crise económica, social, e em breve política. O Estado Social keynesiano tem os dias contados, e mais cedo ou mais tarde, o modelo americano impor-se-á. No entanto, nunca a economia mundial foi tão afectada por tantas crises consecutivas como aquando da instituição de estados neo-liberais, que promovem o capitalismo selvagem e aniquilam os direitos sociais. É nestes contextos de crise económica, de caos social e descrença do poder político, que surgem convulsões sociais decididas a reinstaurar a ordem, a riqueza e o prestígio. São as opções de extrema-direita. Aquelas que defendem um Estado forte, isolado, nacionalista, agressivo perante os valores democráticos, aniquilador da vontade humana. Anders Behring representa o princípio do fim, a primeira explosão daquilo que será uma violenta revolução.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Não sei como quero ser quando for grande.

Pergunto-me o que estará ela a pensar agora, enquanto lava a loiça furiosamente. Suponho que se esteja a pôr no papel de eterna vítima, como sempre. Até consigo imaginar o monólogo interior: "Toda a gente me odeia, todos me fazem sofrer, ninguém me ouve, ninguém me ajuda ...". E eu pergunto-te, avó, mas como? Como te poderia eu ajudar se tu não queres ser ajudada? Se mesmo sabendo que as tuas costas não aguentam, continuas a carregar com pesos e a aspirar o chão? Se te pões contantemente no papel de mártir, fazendo sacrifícios tais pelos outros que eles não te pedem, porque não querem que tu os faças por eles? Se és tu própria que te fazes sofrer, pois é uma maneira de sentires que és melhor do que as outras pessoas, pois sacrificas-te por elas de uma forma tão ridícula, exagerada e subserviente, que depois elas fazem de ti o que querem e dão-te punhaladas nas costas?
Depois das discussões és rancorosa. Continuas a resmungar e a gritar e a falar mal com toda a gente. A culpa é sempre de todos e nunca tua, e sempre particularmente de alguém, O Escolhido da tua raiva. Hoje, a escolhida fui eu...
Eu percebo que estejas exausta das arrumações. Quem não estaria? Mas se tivesses calma poupavas a ti própria e aos outros um grande frete. Às vezes tornas-te mesmo má, parece que fazes pagar aos outros aquilo que te acontece depois dos esforços sobrehumanos que fazes sem ninguém to pedir. Parece que carregas uma cruz às costas que é o teu calvário, e que todas as outras pessoas no mundo são os "romanos" que ta puseram nos ombros. Isso é ridículo!!! Estás tão preocupada com a tua miséria fatídica, a tua infelicidade crónica, que nem consegues valorizar os actos e os gestos das pessoas que te amam. Tomas tudo na defensiva. E eu estou farta. Farta, porque simplesmente não sou capaz de lidar com essa tua personalidade distorcida. Desfiguras tudo, distorces tudo, fazes-me sentir má por erros inocentes que cometo sem intenção.

Não sei como quero ser quando for grande, mas com certeza não quero ser como tu.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Já não há incêndios em Portugal

As eleições de 5 de Junho proporcionaram algo de intrinsecamente extraordinário, e inimaginável ao nosso país. Algo que nunca, nem nos nossos sonhos mais audaciosos, nos passou pela cabeça. Apercebi-me disso só hoje, tal como acontece com todos os acontecimentos dignos de se escrever sobre eles num blog, ao ler um artigo online da Visão Verde, que dizia: "Quase 4 mil fogos desde maio". Pensei, maio? Maio de 2011?
Perplexa, pois ainda não tinha ouvido falar de incêndios ocorridos neste ano civil, ao contrário dos anos anteriores em que a comunicação social fazia questão de propagandar, num autêntico grito de pânico, o mais pequeno fogo que ateasse em terras lusas, perguntei à minha avó se tinha ouvido falar de algum fogo recente. Ela disse que não. Quando lhe mostrei o número aterrador, ela abriu muito a boca de espanto e disse: "Valha-nos Deus".

Mas eu digo: Valha-nos o Passos Coelho. Ou deveria antes dizer "Valha-nos a elite partidária portuguesa"? Ou ainda "Valha-nos a palhaçada demagógica que foi a pré-campanha desde o ano passado até às eleições"? Na febre das declarações insípidas e vazias de conteúdo, dos arruaceiros partidários, das afirmações sem nexo, das acusações e dos linchamentos públicos, que os órgãos de comunicação social gostaram tanto de fomentar e dar cobertura mediática, esqueceram-se problemas ambientais, sociais e mesmo económicos que são crónicos em Portugal. Tudo isto se pauta por dois aspectos: por um lado, a insensatez e a inconsciência dos próprios dirigentes que se preocupam mais em puxar a brasa à sua sardinha e a responder a comentários sem interesse nenhum para o bem-estar social, do que a manter aceso o debate teórico sobre os tais problemas crónicos que o nosso país enfrenta, nomeadamente desde a entrada na CEE em 1986, tais como o défice público, as elevadas taxas de juro, o fraco investimento na investigação, a má estruturação da propriedade agrícola... e, como é óbvio, os incêncios, que as fracas medidas legislativas não conseguem conter. Sempre que se traz um destes assuntos à baila, é como se se estivesse a tentar convencer o eleitorado e a ganhar pontos para as eleições seguintes. A política é um simples jogo de poder, só que em Portugal os jogadores não sabem fazer a poker-face como deve ser... o que me faz sentir, pessoalmente, que estão a gozar com a nossa inteligência mesmo à frente dos nossos narizes, e ainda assim damos-lhes os nossos votos uma e outra vez.

Mas a comunicação social não é menos responsável pelo desastre da "amnésia generalizada" no que respeita aos fogos. Parece-me que cada vez mais é adoptado um modelo noticioso pró-americano, típico de agências como a Fox News, a CNN ou mesmo a MSNBC, em que o lema é basicamente "Dividir para conquistar", baseado no sensacionalismo e no espectáculo, e principalmente numa autêntica comercialização do conteúdo jornalístico, o que, se pensarmos bem, é até certo ponto inevitável, mas que acaba por transformar todos os acontecimentos em puros actos de cena, em que o melhor actor ganha os aplausos da plateia e mais um sucesso mediático, para ser incluído no seu currículo. Neste contexto, pouco importa a quantidade de fogos que há no país. Um acontecimento só se torna notícia se os políticos falarem nele. Como nenhum fala dos fogos, simplesmente não se fala deles. Mesmo que, desde Maio, tenham havido quase 4 mil.

Nunca a frase "Tudo é política" teve um significado tão obscuro e tão irónico, como hoje.