Aqueles que me fizeram sofrer não são, nem nunca serão,
indiferentes para mim, pela simples razão de termos algo em comum que
dificilmente compete com gostos musicais semelhantes ou ideologias compatíveis:
a certeza de um passado partilhado. Essa certeza prender-me-á para sempre a
estas pessoas, pois nunca serei capaz de as esquecer. Isso torna-me incapaz de
fingir que elas não existem, o que até pode ser verdade na medida em que não as
deixo entrar na minha vida da mesma maneira que deixava (isto é, sem dúvida,
sensato), mas é também falso, tendo em conta que elas podem não existir na
minha vida, mas sei que estão vivas, e que vivem sem mim, rodeados de outras
pessoas… Mas, mais importante que tudo isso, elas já fizeram parte da minha
vida, e é o tal passado do qual eu não posso (nem devo) esconder-me, que faz
com que a única solução para eu conseguir viver comigo mesma, com os meus erros
e com os erros dos outros, seja aprender a perdoar, e ainda mais importante do
que seguir em frente é conseguir lidar com aquilo que sinto de maneira a que,
para me confortar, não precise de mentir a mim mesma dizendo que certa pessoa
me é indiferente quando, na verdade, está longe de o ser. O desprezo pode
resultar com quem nunca me desiludiu, mas nunca com pessoas em quem confiei.
Desta forma estou a falsear a realidade, a atribuir importâncias falsas a
eventos que me marcaram. Para conseguir sentir-me bem com o meu passado, o que
tenho de fazer é encarar a realidade bem de frente, e para isso não basta
chegar à “brilhante” conclusão de que me magoaram. Saberei que atingi o meu
objectivo quando, um dia, me encontrar na mesma sala com o meu pai, a minha avó
ou o Henrique, e for capaz de admitir para comigo mesma que me sinto mal, que
tenho borboletas no estômago, que quero sair dali, mas que, apesar de tudo
isso, também sei que tenho de ser superior e ir ter com eles, cumprimentá-los
educadamente, e mostrar-lhes que não têm de derrubar nenhuma barreira para
chegarem até mim, pois eu já baixei todos os muros defensivos. Já não tenho
nada a esconder, posso dizer-lhes que tenho medo, que sinto vontade de chorar,
que gostava que as coisas tivessem sido diferentes. Assim, não terão nada a
usar contra mim a não ser as minhas próprias palavras, e ninguém me pode abater
com a verdade, pois ela está do meu lado, e quando não estiver, admiti-lo-ei.
Se tiver de cair, cairei. Mas o peso de saber que não fiz o suficiente já não
estará lá.