- Ninguém me sabe explicar o que é a felicidade – resmungou Tiago,
impaciente com o novelo de esparguete à bolonhesa poisado num prato à sua
frente. A mãe estava a ficar enervada com a fúria do filho, que tentava apanhar
os fios de massa sem fazer nenhum esforço aparente por suavizar o embate do
garfo na loiça, provocando um ruído estridente e desafiando todas as cabeças no
restaurante a virarem-se na sua direcção. Este efeito desaparecia depois das
pessoas perceberem que não passava de uma criança a ser exasperante, e as
atenções anteriormente dispensadas ao miúdo voltavam-se para a respectiva mãe,
vestida com bom-senso num espaço cheio de fatos elegantes e boas maneiras, cada
vez mais embaraçada com a terrível falta de decoro do filho.
- Tiaguinho, já lhe disse que comesse sossegado. Se conseguir
comportar-se como deve ser, a mamã vai explicar-lhe tudinho acerca da - como
disse?
- Da felicidade, mamã.
Ela olhou para o filho ao seu lado. Não percebia de onde
vinha aquele estranho fascínio por coisas tão esquisitas. Seria das bandas
desenhadas? Por via das dúvidas, decidiu, assim que chegassem a casa iria pô-lo
a dormir no quarto da ama e dirigir-se-ia ao quarto dele. Pegaria em todos os
exemplares de revistas e livrinhos tolos que conseguisse encontrar e pô-los-ia
em cima da laje do quintal para que fossem levados de manhã pelas criadas,
juntamente com o resto do lixo doméstico. A partir dali seguiria estritamente
os conselhos do Dr. Martins relativamente às leituras indicadas a um rapaz como
Tiago. «Introduza lentamente os clássicos da literatura, portuguesa e
estrangeira; comece com pequenos sonetos de Camões e vá aumentando a exigência.
Talvez daqui a três meses já lhe possa mostrar o primeiro ensaio filosófico. Tenha
sempre presente que é necessária uma cultura da exigência, acima de tudo o mais.
Lembre-se disso, e o menino será um génio.». Ela não se tinha esquecido desta
conversa.
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